quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Lou Andreas-Salomé

"Loufried", Gottingen

"Desci e me dirigi à rua que se chama Herzberger Landstrasse. Era por volta do meio-dia. As calçadas estavam desertas mas avistei, em um jardim, um rapaz que conversava ao telefone sem fio. Esperei que desligasse, aproximei-me e perguntei:
    -Pode me dizer se a casa de Lou Andreas-Salomé é muito longe? -Lou Andreas-Salomé? Nunca ouvi falar. Mas... Um momento, por favor! Vou consultar o Serviço de Informações Culturais.
E após alguns instantes:
    -Ah! (com ar de surpresa) é nesta mesma rua, o n.º 101. Eu não sabia! Deve ficar bem lá em cima.
Agradeci mais uma vez e continuei a subir a ladeira lentamente. As casas foram se espaçando, os jardins crescendo e, de repente, diante de um estreito caminho em declive como uma picada no bosque, uma seta onde se lê Lou Andreas-Salomé Weg . Caminho de Lou Andreas-Salomé!

Desço por esse caminho e encontro um pequeno espaço sombrio, coberto de folhas e cascalho , limitado por uma cerca de arame além da qual há algumas casas ajardinadas. Acima, sobre a colina, um prédio em tons de bege e laranja que destoa na paisagem. O único som é o do sussurro do bosque. E de repente, passos. Surge junto à cerca uma velhinha com uma sacola de compras. Dirijo-me a ela.

    -Bom dia! A Senhora pode me informar qual dessas casas pertenceu a Lou Andreas-Salomé? -Naturalmente! Era ali onde está aquele edifício. Nós tivemos de vender a casa. -Ah!... a Senhora é da família? -Bem, mais ou menos... É uma história muito longa e complicada. Mas eu enterrei Andreas e enterrei Lou, disse com orgulho. -... Hum... e... ( meu coração estava aos pulos! ), e a senhora conheceu o poeta Rainer Maria Rilke? -Sim! Mas eu era muito criança, eu não prestava muita atenção neles. (E então acrescentou ingenuamente: ) Não sabia que iriam se tornar tão importantes. Agora, com muita freqüência chegam aqui pessoas interessadas ... fazendo pesquisas. -Pois eu vim do Brasil. - Ach so! Muito longe! Do outro lado do mundo!
    Para descobrir o nome dela, disse-lhe o meu e estendi-lhe a mão.-Maria Apel. Sorriu amavelmente e pediu licença, estava atrasada. -Muito prazer! E muito obrigada!
Esperei que ela se afastasse e procurei me recompor de tanta emoção. Maria Apel! Maria, com certeza a pequena Marieschen, a filha de Marie, empregada de Lou e de Andreas, com quem este tivera dois filhos, segundo H. F. Peters: um menino, que morreu pequeno, e Marie, cujo nascimento foi mencionado por Lou em uma carta a Rilke que eu lera dias antes, Maria, que havia convivido com Andreas e com Lou até o fim, que conhecera Rilke...

Fui olhar de perto o prédio que se chama, como a casa, Loufried e em cujo jardim há uma pedra onde estão gravados versos de Lou que Nietzsche certamente teria apreciado:


Du heller Himmel über mir
Dir willich mich vertrauen
Lass nicht von lust und leiden hier

Den Aufblick mir verbauen.
- - - - - - - - - - - - - - - - ----
Tu, claro céu sobre mim
A ti quero me confiar
Que prazer e tristeza aqui
não me sejam negados por teu Olhar".


Rachel Gutierrez






Raínha da Noite

Nina Hagen

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Vermelho-II


ALOÉS
Não faltaram ao encontro
céleres e finitos
com a erecção dos poetas.
Em cada ano trazem a
majestade dos círios
 (que ninguém brame)
despertos
neste seu avermelhado
derrame.

A. Oliveira

Fresta

"A solidez da casa, dos afectos. E sei que a literatura foi uma revelação extraordinária, não me imagino sem a literatura, sem a criação literária, sem essa capacidade de metamorfosear a realidade, de descrevê-la, de ficcionar, de romancear a vida. A escrita, a palavra e também a capacidade infinita de pensar. Adoro pensar. Reflectir cada vez mais é um acto prazeroso para mim, tudo é pretexto para reflectir. Acho que a inteligência está próxima ao grande sonho, a grande utopia é a inteligência. É pensar o mundo, contestar o mundo, criar contrastes, matizar as coisas. É contestar aquilo de que estava certa. De repente vê-se a luz, revela-se, é uma fresta, mostra-se um indício novo da vida".


Nélida Pinõn
(entrevista à notíciasmagazine, 3/6/2007)

Branco-IV

Foto: Caribaci

Branco-III

"O branco é a junção de todas as cores do espectro.
É definida como a cor da luz ou como a ausência de cor.
É a cor que reflecte todos os raios luminosos e tem por isso clareza máxima."

Revista Única
08/05/2010

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

sábado, 25 de dezembro de 2010

Mísia e Andrea Bocelli




Te extraño
como se extrañan las noches sin estrellas
como se extrañan las mañanas bellas
no estar contigo por dios que me hace daño.

Te extraño
cuando camino caundo lloro cuando rio
cuando el sol brilla cuando ahce mucho frio
porque tesiento como algo muy mio.

Te extraño
como los arboles extrañan el otoño
en esas noches que no concilio el sueño
no te imaginas amor como te extraño.

Te extraño
en cada paso que siento solitario
cada momento que voy viviendo a diario
estoy muriendo amor porque te extraño.

Te extraño
cuando la aurora comienza a dar colores
con todas tus virtudes con todos tus errores
por lo que quieras no se pero te extraño.

Armando Manzanero

(http://www.seeklyrics.com/lyrics/Armando-Manzanero/Te-Extra-o.html)

Branco-I

"Às vezes o defunto desmontava da orelha, saía da cabeça e tardava a regressar. Deve andar por aí, à procura do filho, pensava o guarda Herbal com alguma nostalgia, porque afinal o pintor dava-lhe conversa nas horas de vigília, nas noites de prevenção. E ensinava-lhe coisas. Por exemplo, que o mais difícil de pintar era a neve. E o mar, e os campos.As amplas superfícies de aparência monocolor. Os Esquimós, disse-lhe o pintor, chegam a distinguir quarenta cores na neve, quarenta espécies de brancura. Por isso, os que melhor pintam o mar, os campos e a neve são as crianças. Porque a neve pode ser verde e o campo embranquecer como as cãs de um velho camponês".


Manuel Rivas
O Lápis do Carpinteiro, Publicações D. Quixote, 2000

Mães-VII

Annie Leibovitz
Vogue americana, Maio 2010

Mães-VI

Mães-V

Lewis Hine
 Ellis Island Madonna, 1905

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Mães-IV

Sebastião Salgado

Mães-III

"Tínhamos três horas de viagem pela frente. Ela ia-se sentar no banco de trás: na África do Sul os pretos não viajam ao lado dos brancos. Ou melhor, na "nova África do Sul" os pobres não viajam ao lado dos ricos. Vão sempre no banco de trás, ou na caixa aberta da pick-up. Indiquei-lhe o banco ao meu lado, assim podíamos conversar e ela via melhor a paisagem. "Mas o bebé devia ir atrás, é mais seguro", disse-lhe. Quando era criança, em Portugal, dizia-se assim. Havia mesmo uma campanha rodoviária e uma multa. Mas ela disse que não, atrás o bebé ficava desemparado se houvesse uma travagem. Estava mais seguro nos seus braços. Tinha razão."

Gonçalo Cadilhe
(1 Km de Cada Vez)

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Mães-II

Comunidade acima de Chimborazo, Equador, 1982 - Foto: Sebastião Salgado
© Sebastião Salgado
Imagem: Masters-of-Photography

"Migrant Mother"

Dorothea Lange
1936

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Umberto Eco


(...)

- Isso é uma mão e isso são dedos. E são quatro. São quatro?
- Certo. E quanto é seis vezes seis?
- Trinta e seis, é óbvio. - Os pensamentos ribombavam na minha cabeça, mas vinham quase por si só. - O quadrado da hipotenusa... é igual à soma... dos quadrados dos catetos.
- Parabéns. Creio que é o teorema de Pitágoras, mas no liceu tive sempre três a matemática...
- Pitágoras de Samos. Os elementos de Euclides. A desesperada solidão das paralelas que nunca se encontram.
- A sua memória parece estar em óptimo estado. A propósito, o senhor como se chama?





Umberto Eco

A Misteriosa Chama da Rainha Loana, Difel, 2004

Narciso


"Narciso continuou, assim, a trilhar a senda da crueldade, troçando sempre do amor. Certo dia, porém, uma das donzelas que ele repudiara formulou um voto que foi ouvido e atendido pelos deuses: "Que aquele que não ama os outros se apaixone por si próprio"".



"Dizem que a alma de Narciso, ao atravessar o rio que rodeia o mundo dos mortos, se debruçou no barco para, de relance, ter uma visão derradeira da imagem de si próprio, que a água reflectia".


Edith Hamilton
(A Mitologia)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Mulheres - I




Pulo na ignorância
(o retrato é próximo).
Da janela
vejo as mulheres
marulhando
e sou apenas 
um pardal ondulante
de olhos nos arrozais.

A. Oliveira 
Lugares de lume

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

domingo, 19 de dezembro de 2010

LISBOA


Francis Smith



Alguém diz com lentidão:
"Lisboa, sabes..."Eu sei.
É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.
Eu sei. E tu sabias?

Eugénio de Andrade
Coração do Dia

1958

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Jacques Brel




DITES, SI C'ÉTAIT VRAI

Dites
Dites si c'était vrai
S'il était né vraiment à Bethléem dans une étable
Dites si c'était vrai
Si les rois Mages étaient vraiment venus de loin de fort loin
Pour lui porter l'or la myrrhe l'encens
Dites si c'était vrai
Si c'était vrai tout ce qu'ils ont écrit Luc Matthieu
Et les deux autres
Dites si c'était vrai
Si c'était vrai le coup des Noces de Cana
Et le coup de Lazare
Dites si c'était vrai
Si c'était vrai ce qu'ils racontent les petits enfants
Le soir avant d'aller dormir
Vous savez bien quand ils disent Notre Père quand ils disent Notre Mère
Si c'était vrai tout cela
Je dirais oui
Oh sûrement je dirais oui
Parce que c'est tellement beau tout cela
Quand on croit que c'est vrai.


Jacques Brel (1958)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

sábado, 11 de dezembro de 2010

A prazo

Portugal é o terceiro país da União Europeia (UE), depois da Polónia e da Espanha, que apresenta a mais alta taxa de trabalhadores contratados a prazo, de acordo com os números avançados pelo Eurostat.

Portugal tem 22 por cento da população empregada contratada a prazo, sendo apenas ultrapassado pela Polónia (26,5 por cento) e por Espanha (25,4 por cento), revela o gabinete de estatísticas europeu.

A média de trabalhadores com contratos a prazo (com mais de 15 anos) na União Europeia é de 13,5 por cento, enquanto na Zona Euro é de 15,2 por cento, acrescenta o relatório do Eurostat, Labour Force Survey, que se baseia em dados de 2009.


http://www.agenciafinanceira.iol.pt/economia/trabalho-precario-emprego-part-time-eurostat-agencia-financeira/1217150-1730.html

 

A Pobreza

"Se o emprego é de um modo geral a melhor salvaguarda contra a pobreza e exclusão social, para oito por cento dos europeus trabalhar não é suficiente para sair da pobreza. É inadmissível. O trabalho tem de ser uma via para sair da pobreza".

Durão Barroso
(Público, 22/1/2010)


Vivo em campanha, com o meu marido que se encontra desempregado, e eu trabalho no Call Center, vivemos com muitas dificuldades, também por causa dos problemas de saúde dele, não consegue arranjar trabalho, e eu com crises depressivas por vezes lá vou abaixo. Tenho três filhos do primeiro casamento, que se encontram todos a estudar, por vezes nem dinheiro temos para comer e para pagar a renda e a luz. É triste e deixa me de rastos e muitas vezes sem força para lutar. Quanto aos meninos vivo como apoio dos meus pais, pois se não fossem eles, então é que não saberia o que seria de nós... mas temos que lutar... e viver todos os dias com esta incerteza... mas para quem já teve tudo e neste momento não tem nada ainda é mais difícil... lutar!!! ou sobreviver!!!
Maria Cristina
02-11-2010

Contra a Pobreza







Sem-abrigo

"A FEANTSA [Federação Europeia das Associações Nacionais que Trabalham com os Sem-Abrigo] considera que sem-abrigo (homelessness) é qualquer pessoa que não tenha um lar, ou seja, se viver numa barraca sem água, sem luz é um sem-abrigo.
São também consideradas sem-abrigo as mulheres vítimas de violência doméstica que vivam em casas especiais de apoio, ou mães e grávidas em casas de apoio social.
E ainda, jovens que atingiram a idade de autonomia mas, por falta de alternativa, continuam a viver em casas sobrelotadas com  pais e avós.
Este é o conceito alargado europeu com que a AMI trabalha. (...)
O conceito nacional adoptado pelo Ministério do Emprego e Segurança Social é mais restrito já que considera sem abrigo apenas os que vivem na rua e em albergues".

Ana Martins
(entrevista, AMI Notícias, nº 51, 2º Trimestre de 2010)


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Folias

Recercada quarta sobre La Folia
 (Diego Ortiz - 1510-1570) 

Folias

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Monteverdi II

Monteverdi

O dia limpo


O dia limpo como um adro deserto,
o relógio parado,
os degraus por onde o sol
sobe ao olhar -
falta que um pássaro cante em qualquer lado.

Eugénio de Andrade
O Peso da Sombra, 1982

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Jungfrau

Maio de 1882

(...) :"sentada numa charrete a cujo timão estão atreladas duas personagens de fraque, Paul Rée e Friedrich Nietzsche, a nossa domadora de homens segura as rédeas com uma mão enquanto com a outra ameaça com o chicote os dois filósofos. Para completar o quadro, o grupo está postado diante do Jungfrau, e o nome simbólico da montanha em pano de fundo sublinha a inacessibilidade de Lou. (...) Imagem da trindade ou da servidão voluntária?"

Stéphane Michaud
(Lou Andreas-Salomé, Ed. Asa)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Vê-lo perguntar-lhe


PENSAMENTO PRIMAVERIL

Vê-lo
perguntar-lhe
como se perderam elas as primeiras palavras?
ao vente de leste um sonho desfaz-se na trapeira de seda
lua fria   baloiço
ela aperta o pipa contra si
depois à luz da lâmpada fere uma corda
a primavera profunda não chega até aqui
as cinco flores
o cavalo inocente
debaixo de que salgueiro?

Zhang  Kejiu

(tradução de Albano Martins)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

"Tu penses à quoi?"

Tu penses à quoi ?
A la langueur du soir dans les trains du tiers monde ?
A la maladie louche ? Aux parfums de secours ?
A cette femme informe et qui pourtant s'inonde ?
Aux chagrins de la mer planqués au fond des cours ?

Tu penses à quoi ?
A l'avion malheureux qui cherche un champ de blé ?
A ce monde accroupi les yeux dans les étoiles ?
A ce mètre inventé pour mesurer les plaies ?
A ta joie démarrée quand je mets à la voile ?

Tu penses à quoi ?
A cette rouge gorge accrochée à ton flanc ?
Aux pierres de la mer lisses comme des cygnes ?
Au coquillage heureux et sa perle dedans
Qui n'attend que tes yeux pour leur faire des signes ?


Tu penses à quoi ?
Aux seins exténués de la chienne maman ?
Aux hommes muselés qui tirent sur la laisse ?
Aux biches dans les bois ? Au lièvre dans le vent ?
A l'aigle bienheureux ? A l'azur qu'il caresse ?

Tu penses à quoi ?
A l'imagination qui part demain matin ?
A la fille égrenant son rosaire à pilules ?
A ses mains mappemonde où tremble son destin ?
A l'horizon barré où ses rêves s'annulent ?

Tu penses à quoi ?
A ta voix sur le fil quand je cherche ta voix ?
A toi qui t'enfuyais quand j'allais te connaître ?
A tout ce que tu sais de moi et à ce que tu crois ?
A ce que je connais de toi sans te connaître ?


Tu penses à quoi ?
A ce temps relatif qui blanchit mes cheveux ?
A ces larmes perdues qui s'inventent des rides ?
A ces arbres datés où traînent des aveux ?
A ton ventre rempli et à l'horreur du vide ?

Tu penses à quoi ?
A la brume baissant son compteur sur ta vie ?
A la mort qui sommeille au bord de l'autoroute ?
A tes chagrins d'enfant dans les yeux des petits ?
A ton coeur mesuré qui bat coûte que coûte ?

Tu penses à quoi ?
A ta tête de mort qui pousse sous ta peau ?
A tes dents déjà mortes et qui rient dans la tombe ?
A cette absurdité de vivre pour la peau ?
A la peur qui te tient debout lorsque tout tombe ?


Tu penses à quoi ? dis, tu penses à quoi ?

A moi ? des fois ? ...

Je t'aime

Léo Ferré

(http://egophelia.free.fr/2femme/ferrepense.htm)


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Como tu




Así es mi vida,
piedra,
como tú. Como tú,
piedra pequeña;
como tú,
piedra ligera;
como tú,
canto que ruedas
por las calzadas
y por las veredas;
como tú,
guijarro humilde de las carreteras;
como tú,
que en días de tormenta
te hundes
en el cieno de la tierra
y luego
centelleas
bajo los cascos
y bajo las ruedas;
como tú, que no has servido
para ser ni piedra
de una lonja,
ni piedra de una audiencia,
ni piedra de un palacio,
ni piedra de una iglesia;
como tú,
piedra aventurera;
como tú,
que tal vez estás hecha
sólo para una honda,
piedra pequeña
y
ligera...



León Felipe

http://www.poemas-del-alma.com/leon-felipe-como-tu.htm

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Entrevista a Fernando Pessoa

Poema em linha recta



Michael Barrett


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

http://www.crato.org/chapadadoararipe/2009/03/14/arre-estou-farto-de-semideuses-onde-e-que-ha-gente-no-mundo-homenagem-ao-dia-do-poeta/

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

É assim...

É ASSIM A MÚSICA

A música é assim: pergunta,
insiste na demorada interrogação
- sobre o amor?, o mundo?, a vida?
Não o sabemos, e nunca
nunca o saberemos.
Como se nada dissesse vai
afinal dizendo tudo.
Assim: fluindo, ardendo até ser
fulguração - por fim
o  branco silêncio do deserto.
Antes porém, como sílaba trémula,
volta a romper, ferir,
acariciar a mais longínqua das estrelas

Eugénio de Andrade

Charles Lloyd

sábado, 27 de novembro de 2010

Einstein on the beach

Em Florença

Vortice Dance



"Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!"


http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Grande_Ditador

Once In A Lifetime



Once In A Lifetime

You may find yourself living in a shotgun shack
And you may find yourself in another part of the world
And you may find yourself behind the wheel of a large automobile
You may find yourself in a beautiful house, with a beautiful wife
You may ask yourself, "Well, how did I get here?"

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

And you may ask yourself, "How do I work this?"
And you may ask yourself, "Where is that large automobile?"
And you may tell yourself, "This is not my beautiful house"
And you may tell yourself, "This is not my beautiful wife"

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

Same as it ever was, same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, same as it ever was

Water dissolving and water removing
There is water at the bottom of the ocean
Under the water, carry the water
Remove the water from the bottom of the ocean
Water dissolving and water removing

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, into the silent water
Under the rocks and stones, there is water underground

Letting the days go by, let the water hold me down
Leting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

You may ask yourself, "What is that beautiful house?"
You may ask yourself, "Where does that highway go to?"
You may ask yourself, "Am I right, am I wrong?"
You may say to yourself, "My God! What have I done?"

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, into the silent water
Under the rocks and stones, there is water underground

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

Same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, look where my hand was

Time isn't holding up, time isn't after us
Same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, hey let's all twist our thumbs
Here comes the twister

Letting the days go by
Letting the days go by
Once in a lifetime
Let the water hold me down
Letting the days go by


Songwriters: Eno, Brian; Harrison, Jerry; Byrne, David; Weymouth, Tina; Frantz, Chris;
http://www.elyrics.net/read/t/talking-heads-lyrics/once-in-a-lifetime-lyrics.html


No fundo

"No fundo, ser poeta é ter um olhar; se esse olhar puder depois expressar-se em palavras, então o poema aí está para provar que o senhor que o escreveu é um poeta.

Mas pode acontecer que não tenha a capacidade expressiva suficiente para passar a poema o que sente e, apesar disso, ser um poeta.

(...) Creio que a poesia é o que é e, ao mesmo tempo, o seu próprio eco. E, provavelmente, o que o leitor capta é o eco".

José Saramago (entrevista a Eduardo Mazo, revista Veintitrés, 10.2.2002)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

É preciso dizer...

Exercício espiritual




 É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem


É preciso dizer candelabro em vez de dizer arcano
é preciso dizer Para Sempre em vez de dizer Agora
é preciso dizer O Dia em vez de dizer Um Ano
é preciso dizer Maria em vez de dizer aurora


Mário Cesariny de Vasconcelos




Mário Cesariny de Vasconcelos

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Estribilhos

No interior da música

o silêncio
que regaço procura?

Que interior é esse

onde a luz
tem morada?

E há um interior,

assim como o caroço
dentro do fruto?

E como entrar nele?

É como mum corpo?

Eugénio de Andrade


As palavras


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

Cinzento - I



Viajante
alado
aqui
ou como ontem
num campo
de sal
na Croácia.
Aqui
com as patas
tementes
e os mapas
pendentes
(como alforges).



A.Oliveira
Lugares de Rio

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Thick as a Brick





Thick As A Brick



Really don't mind if you sit this one out.

My words but a whisper -- your deafness a SHOUT.
I may make you feel but I can't make you think.
Your sperm's in the gutter -- your love's in the sink.
So you ride yourselves over the fields and
you make all your animal deals and
your wise men don't know how it feels to be thick as a brick.
And the sand-castle virtues are all swept away in
the tidal destruction
the moral melee.
The elastic retreat rings the close of play as the last wave uncovers
the newfangled way.
But your new shoes are worn at the heels and
your suntan does rapidly peel and
your wise men don't know how it feels to be thick as a brick.
(...)

Jethro Tull

Rilke

Da neigt sich die Stunde und rührt mich an
mit klarem, metallenem Schlag:
mir zittern die Sinne. Ich fühle: ich kann -
und ich fasse den plastischen Tag.

Nichts war noch vollendet, eh ich es erschaut,
ein jedes Werden stand still.
Meine Blicke sind reif, und wie eine Braut
kommt jedem das Ding, das er will.

Nichts ist mir zu klein, und ich lieb es trotzdem
und mal es auf Goldgrund und groß
und halte es hoch, und ich weiß nicht wem
löst es die Seele los...


A hora inclina-se e toca-me
com golpe claro, metálico:
Tremem-me os sentidos. Sinto: eu posso -
e agarro o dia plástico.

Nenhuma coisa era perfeita antes de eu a olhar,
todo o devir parara.
A cada um dos meus olhares, agora já maduros,
vem, como noiva, a coisa apetecida.

Nada é pequeno para mim, e amo-o apesar de tudo
e pinto-o em fundo ouro, e grande,
e ergo-o ao alto, e não sei a quem
libertará a alma...


Rainer Maria Rilke (tradução de Paulo Quintela)



Eis que a hora se inclina e me vem tocar
com pancada metálica e clara:
tremem meus sentidos. Sinto poder agarrar
o dia que plasticamente se declara.

Nada era perfeito antes de eu o olhar,
todo o devir se imobilizara.
Ao meu olhar amadurecido se vem apresentar
como noiva a coisa que desejara.

Nada é ínfimo, mesmo assim amá-lo-ei
pintando-o grande em fundo que o dourará,
e levantando-o e a quem, não sei,
a alma libertará...


Rainer Maria Rilke 
(tradução de Maria Teresa Dias Furtado)
O Livro das Horas - O Livro da Vida Monástica (1899)

domingo, 21 de novembro de 2010

Cores



Cláudio Monteverdi
Tornate, o cari baci
(7º Livro de Madrigais)
(1619)

Tornate, o cari baci,
A ritornarmi in vita,
Baci al mio cor digiun
Esca gradita!

Voi di quel dolce amaro,
Di quel dolce non meno
Nettare che veleno
Per cui languir m'è caro,
Pascete i miei fameici desiri,
Baci in cui dolci provo anco i sospiri!

G. B Marino
(1569-1625)

Poetas I

Poeta o que é ?
Um homem que leva
O facho da treva
No fundo da mina
─ Mas apenas vê
O que não ilumina.


José Gomes Ferreira