terça-feira, 30 de novembro de 2010

Entrevista a Fernando Pessoa

Poema em linha recta



Michael Barrett


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

http://www.crato.org/chapadadoararipe/2009/03/14/arre-estou-farto-de-semideuses-onde-e-que-ha-gente-no-mundo-homenagem-ao-dia-do-poeta/

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

É assim...

É ASSIM A MÚSICA

A música é assim: pergunta,
insiste na demorada interrogação
- sobre o amor?, o mundo?, a vida?
Não o sabemos, e nunca
nunca o saberemos.
Como se nada dissesse vai
afinal dizendo tudo.
Assim: fluindo, ardendo até ser
fulguração - por fim
o  branco silêncio do deserto.
Antes porém, como sílaba trémula,
volta a romper, ferir,
acariciar a mais longínqua das estrelas

Eugénio de Andrade

Charles Lloyd

sábado, 27 de novembro de 2010

Einstein on the beach

Em Florença

Vortice Dance



"Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!"


http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Grande_Ditador

Once In A Lifetime



Once In A Lifetime

You may find yourself living in a shotgun shack
And you may find yourself in another part of the world
And you may find yourself behind the wheel of a large automobile
You may find yourself in a beautiful house, with a beautiful wife
You may ask yourself, "Well, how did I get here?"

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

And you may ask yourself, "How do I work this?"
And you may ask yourself, "Where is that large automobile?"
And you may tell yourself, "This is not my beautiful house"
And you may tell yourself, "This is not my beautiful wife"

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

Same as it ever was, same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, same as it ever was

Water dissolving and water removing
There is water at the bottom of the ocean
Under the water, carry the water
Remove the water from the bottom of the ocean
Water dissolving and water removing

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, into the silent water
Under the rocks and stones, there is water underground

Letting the days go by, let the water hold me down
Leting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

You may ask yourself, "What is that beautiful house?"
You may ask yourself, "Where does that highway go to?"
You may ask yourself, "Am I right, am I wrong?"
You may say to yourself, "My God! What have I done?"

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, into the silent water
Under the rocks and stones, there is water underground

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again, after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

Same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, look where my hand was

Time isn't holding up, time isn't after us
Same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, same as it ever was
Same as it ever was, hey let's all twist our thumbs
Here comes the twister

Letting the days go by
Letting the days go by
Once in a lifetime
Let the water hold me down
Letting the days go by


Songwriters: Eno, Brian; Harrison, Jerry; Byrne, David; Weymouth, Tina; Frantz, Chris;
http://www.elyrics.net/read/t/talking-heads-lyrics/once-in-a-lifetime-lyrics.html


No fundo

"No fundo, ser poeta é ter um olhar; se esse olhar puder depois expressar-se em palavras, então o poema aí está para provar que o senhor que o escreveu é um poeta.

Mas pode acontecer que não tenha a capacidade expressiva suficiente para passar a poema o que sente e, apesar disso, ser um poeta.

(...) Creio que a poesia é o que é e, ao mesmo tempo, o seu próprio eco. E, provavelmente, o que o leitor capta é o eco".

José Saramago (entrevista a Eduardo Mazo, revista Veintitrés, 10.2.2002)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

É preciso dizer...

Exercício espiritual




 É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem


É preciso dizer candelabro em vez de dizer arcano
é preciso dizer Para Sempre em vez de dizer Agora
é preciso dizer O Dia em vez de dizer Um Ano
é preciso dizer Maria em vez de dizer aurora


Mário Cesariny de Vasconcelos




Mário Cesariny de Vasconcelos

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Estribilhos

No interior da música

o silêncio
que regaço procura?

Que interior é esse

onde a luz
tem morada?

E há um interior,

assim como o caroço
dentro do fruto?

E como entrar nele?

É como mum corpo?

Eugénio de Andrade


As palavras


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

Cinzento - I



Viajante
alado
aqui
ou como ontem
num campo
de sal
na Croácia.
Aqui
com as patas
tementes
e os mapas
pendentes
(como alforges).



A.Oliveira
Lugares de Rio

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Thick as a Brick





Thick As A Brick



Really don't mind if you sit this one out.

My words but a whisper -- your deafness a SHOUT.
I may make you feel but I can't make you think.
Your sperm's in the gutter -- your love's in the sink.
So you ride yourselves over the fields and
you make all your animal deals and
your wise men don't know how it feels to be thick as a brick.
And the sand-castle virtues are all swept away in
the tidal destruction
the moral melee.
The elastic retreat rings the close of play as the last wave uncovers
the newfangled way.
But your new shoes are worn at the heels and
your suntan does rapidly peel and
your wise men don't know how it feels to be thick as a brick.
(...)

Jethro Tull

Rilke

Da neigt sich die Stunde und rührt mich an
mit klarem, metallenem Schlag:
mir zittern die Sinne. Ich fühle: ich kann -
und ich fasse den plastischen Tag.

Nichts war noch vollendet, eh ich es erschaut,
ein jedes Werden stand still.
Meine Blicke sind reif, und wie eine Braut
kommt jedem das Ding, das er will.

Nichts ist mir zu klein, und ich lieb es trotzdem
und mal es auf Goldgrund und groß
und halte es hoch, und ich weiß nicht wem
löst es die Seele los...


A hora inclina-se e toca-me
com golpe claro, metálico:
Tremem-me os sentidos. Sinto: eu posso -
e agarro o dia plástico.

Nenhuma coisa era perfeita antes de eu a olhar,
todo o devir parara.
A cada um dos meus olhares, agora já maduros,
vem, como noiva, a coisa apetecida.

Nada é pequeno para mim, e amo-o apesar de tudo
e pinto-o em fundo ouro, e grande,
e ergo-o ao alto, e não sei a quem
libertará a alma...


Rainer Maria Rilke (tradução de Paulo Quintela)



Eis que a hora se inclina e me vem tocar
com pancada metálica e clara:
tremem meus sentidos. Sinto poder agarrar
o dia que plasticamente se declara.

Nada era perfeito antes de eu o olhar,
todo o devir se imobilizara.
Ao meu olhar amadurecido se vem apresentar
como noiva a coisa que desejara.

Nada é ínfimo, mesmo assim amá-lo-ei
pintando-o grande em fundo que o dourará,
e levantando-o e a quem, não sei,
a alma libertará...


Rainer Maria Rilke 
(tradução de Maria Teresa Dias Furtado)
O Livro das Horas - O Livro da Vida Monástica (1899)

domingo, 21 de novembro de 2010

Cores



Cláudio Monteverdi
Tornate, o cari baci
(7º Livro de Madrigais)
(1619)

Tornate, o cari baci,
A ritornarmi in vita,
Baci al mio cor digiun
Esca gradita!

Voi di quel dolce amaro,
Di quel dolce non meno
Nettare che veleno
Per cui languir m'è caro,
Pascete i miei fameici desiri,
Baci in cui dolci provo anco i sospiri!

G. B Marino
(1569-1625)

Poetas I

Poeta o que é ?
Um homem que leva
O facho da treva
No fundo da mina
─ Mas apenas vê
O que não ilumina.


José Gomes Ferreira