quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Cores

     - Que poderes achas que estás a perder, Mãe? - pergunta o filho, hesitante.
    - Estou a perder - diz ela divertida - o poder do desejo. - Perdida por cem, perdida por mil.
   - Eu não diria que o desejo tem poder - responde John determinado, pegando na deixa. - Intensidade talvez. Voltagem. Mas não poder, potência. O desejo pode levar-nos a querer subir uma montanha, mas não nos leva ao cume.
      - Que é que te levaria ao cume?
  - Energia. Combustível. O que tivermos armazenado previamente.
  - Energia. Queres saber qual é a minha teoria da energia, a energética de uma pessoa de idade? Não te aflijas, não tem nada de íntimo que possa deixar-te pouco à vontade, e também não tem nada de metafísico, nem uma gota. O mais materialista possível. É assim. À medida que envelhecemos, todas as partes do nosso corpo se deterioram ou sofrem de entropia, até as próprias células. É isso que significa envelhecer, de um ponto de vista material. Mesmo nos casos em que ainda estão saudáveis, as células velhas são tocadas pelas cores do Outono (uma metáfora, concordo, mas uma pitada de metáfora aqui e ali não quer dizer metafísica). Isto é o que acontece também a muitas, muitas células do cérebro. Assim como a Primavera é a estação que anseia pelo Verão, o Outono é a estação que olha para trás. Os desejos concebidos pelas células outonais do cérebro são desejos outonais, nostálgicos, com raiz na memória. Não têm já o calor do Verão; a intensidade que têm é polivalente, complexa, mais voltada para o passado do que para o futuro. Aqui tens, no fundamental, a minha contribuição para a ciência do cérebro. Que te parece?

John Maxwell Coetzee
À medida que uma mulher envelhece 
(2004)
(in: Ficções-Revista de Contos, nº 14)

    

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