domingo, 1 de novembro de 2015

Azul - CLXXV


Ema passou a conhecer melhor o pontão, a esquivar-se dos seus estalidos, a saber onde vergavam as madeiras; eram só uns segundos de perigo, depois encontrava-se, como num ventre macio, dentro do barco, cujas almofadas azuis a rodeavam. E Ema deixava-se levar no fio da água, vendo a esteira de prata que a seguia fora do peso dos elementos; como se voasse ao encontro dum sentido que fosse o sinal da incarnação feminina. As altas falésias, de pedra granítica e tumular, levantavam-se nas margens. Não se podia chamar margens àquilo. Eram detalhes dum vulcão; eram, nas pedras, rasgões de garras que ali tivessem escorregado. Quem? O silêncio impenetrável subia até aos sarçais onde restos de oliveiras, que não morriam nunca, pareciam ossadas desenterradas.



Agustina Bessa-Luís
Vale Abraão, Guimarães Editores, 1991

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