quarta-feira, 4 de julho de 2012

Arco-Íris

Agora, que estavam quase lá, começava a  ouvir-se a música de bach preferida dele, a que escutava sozinho, na biblioteca, após o lançamento de cada romance e que, dizia ele, o ajudava a pensar no seguinte ou, ela já não estava bem certa, o fazia libertar-se do último, porque era de bach, mais precisamente da partita número 4, que lhe surgiam sempre as personagens e só depois os acontecimentos que estas viveriam, o que lhe parecera sempre a ela inverosímil, dado achar que uma mesma música não poderia sugerir tantas e tão diversas personalidades, e só neste momento, pela primeira vez, lhe ocorre que poderia nem ser verdade, e apenas fazer parte do mito por ele alimentado, assim como o do Escritor solitário, sem família conhecida do grande público, isolado do mundo e das vãs glórias, uma espécie de cavaleiro sem mácula, recusando lugares políticos ou situações mundanas, aceitando unicamente os prémios porque o eram à literatura e não ao homem, como dizia ao recebê-los, numa modéstia que ele sabia falsa mas nem por isso menos encantadora, que acrescentava mais fascínio à lenda.

Maria Manuel Viana
O que não pode ser dito, in O Prazer da Leitura, Teodolito/Fnac
(2012)




Glenn Gold
(1981)
Johann Sebastian Bach
Partita Nº 4 BWV 828, exc. (Ouverture; Allemande)
(1725-1730)


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