quinta-feira, 3 de julho de 2014

Cores


Eu gosto da presença fantasmática das pessoas. Gosto que os objectos signifiquem profundamente alguém. Os melhores objectos são esses, os que quase presentificam quem os fez ou quem os possuiu.
O lençol da mãe da mãe da minha mãe é um bocado de pessoa que não pôde morrer. Ficou perdurando para me conhecer. Para me cumprimentar e viver comigo, espero que para sempre. Quero transformá-lo numa toalha. Arranjar-lhe uma renda amarela, umas flores amarelas bordadas com flores azuis, e voltar a estender na mesa como se tivesse mudado de sexo ou qualquer coisa tão mudadora assim. Um linho que vive de outro modo. Um linho que era alguém e que passa a ser mais alguém. Um linho que soma. Que me soma.


Valter Hugo Mãe
JL- Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 1141
(25/6/2014)

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