quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Branco - MXLVII


     Apertámo-nos as mãos, e eu afastei-me. Pouco antes de chegar ao portão, ocorreu-me uma ideia, e virei-me para trás:
        - Essa gente é uma corja! - gritei. - Você sozinho vale mais do que eles juntos.
   Ainda hoje me alegro de lho ter dito. Foi o único cumprimento que lhe enderecei, porque, de começo a fim, reprovei sempre a sua conduta. Ele acenou primeiro com amabilidade, depois a cara rasgou-se-lhe num sorriso radioso e compreensivo, como se tivéssemos passado todo o nosso tempo em transportes de intimidade a esse respeito. O fato dele, de um clamoroso cor-de-rosa, era uma mancha de luz resplandecente contra a alvura dos degraus, e lembrei-me da primeira noite em que vim ao "lar ancestral" - havia só três meses... A cerca e a vereda estavam apinhadas de gente que o suspeitava de corrupção, e ele, de pé no alto da escadaria, ocultando no seio o sonho incorruptível, acenava-lhes adeus.
        Agradeci-lhe a hospitalidade: era tudo o que nós, eu como os outros, sabíamos agradecer-lhe.
        - Adeus, Gatsby! Obrigado pelo pequeno-almoço!



F. Scott Fitzgerald
O Grande Gatsby (Editorial Presença, 1985; trad. José Rodrigues Miguéis)
(1925)


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