domingo, 19 de março de 2017

Cores


"Lisboa
 
 
 
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Fernando é uma parte do seu quarto, por isso os seus sonhos se agarram às paredes. Ao tocar-lhes sente a consistência, a temperatura e a humidade do que sonhou. Por vezes, quando acorda, sente o cheiro a medo e o calor dos pesadelos. Há dias em que o quarto cheira a Índia, onde Fernando nunca esteve senão em sonhos de longe, com aromas e cores sem nome. Há outros em que os cheiros do passad0 se entranham nos lençóis e os pesadelos são leves, feitos de vozes doces que chamam por ele.
 
(...)
 
 
Viver num sítio é ser esse sítio, emprestar-lhe uma alma e receber outra em troca. As biografias deviam ordenar-se por lugares, e não por datas. Nesta rua fui assim, numa outra fui diverso. Ninguém sabe descrever uma cidade, são as cidades que nos escrevem a nós."
 
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Nuno Camarneiro
 
NO MEU PEITO NÃO CABEM PÁSSAROS, D. Quixote, Lisboa, 2011

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