sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Preto e Branco - XL


(...)
É nessa forja, onde a forma surge a partir do traço da mão, que a sua obra poética e pictórica se situa. Uma e outra parecem nunca abandonar o momento inicial da criação em que o branco e o negro se constituem mutuamente. Ao inscrever-se gestual e gestalticamente na superfície do papel, a mão interroga o enigma da escrita. Da escrita que, escrevendo-se, me escreve. A inteligência autocaligráfica da mão dá-nos testemunho da transição entre legível e ilegível, entre visível e invisível. Vemos a palavra tomar forma. Ouvimo-la. Vemo-nos a ler. “O que é a escrita?”, “O que é a palavra?”, “O que é a leitura?”, perguntam as inscrições iterativamente. A mão sabe sempre mais do que eu. E no excesso significante e silencioso do traço, emerge também o sujeito escondido na escrita. Escondido na pura potencialidade do traço como desejo de ser e de inventar ser.
Ana. Nome. No corpo de papel. Ana. Vir a ser Ana. Ser Ana. Ter sido Ana. Ser Ana depois de ser Ana. Ser Ana depois de ter sido Ana. Ana depois de Ana. Voltar a ser Ana. Ana outra vez. Ana ser. Ana só. Ser Ana. Ser só Ana. Ser Ana Ana. Querer ser Ana. Ana serena. Ana só Ana. Querer ter sido Ana. Não chegar a ser Ana. Não ser Ana. Ser quase Ana. Quase segura. Quase descalça. Ser sombra de Ana. Reflexo de Ana. Anagrama de Ana. Eco de Ana. Ser o ser Anagramático de Ana. Ser Ana na gramática de Ana. Na tisana de Ana. Na fonte de Ana. Ana fonte. Ana grama. Ana pó. Ana.
"Todas as palavras/ quando escritas/ são palavras de papel" (Ana Hatherly,Pavão Negro, 2003)

Manuel Portela


http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/a-mao-inteligente-1704206

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