Carvalho saiu neste ponto, com a língua e a cabeça espessas. Aproximou-se do balcão para pedir uma cerveja e viu-se encostado a uma mulher castanha com uns imensos olhos verdes e o corpo coberto por um poncho estreado em alguma travessia dos Andes.
- Olá!
- Olá. Tu és...
- Dashiell Hammett.
Ela riu e insistiu depois a sério que lhe dissesse o nome.
- Apresentou-nos o Horácio no lançamento do livro do Juan. Não é certo? Eu saí porque estava cansada de anedotas. Não gosto nada de toda essa história do romance negro. Penso o mesmo que Varese: Quando a burguesia não pode conservar o controlo do romance, começa a pintá-lo de cores. Leio-te. Gosto muito do que escreves.
Carvalho, desconcertado, perguntou a si mesmo se Biscuter ou Charo teriam publicado alguma coisa com o seu nome. Pensou pedir-lhes explicações quando chegasse a casa.
- Pois ultimamente escrevo com certa apatia.
- Nota-se, nota-se. Mas isso passa-nos a todos. Penso o mesmo do Cañedo Marras: os grandes cansaços pressagiam os grandes entusiasmos.
Carvalho tinha vontade de lhe dizer: tira o poncho, meu amor, e vamos para uma cama negra, branca, redonda, quadrada, tanto faz, porque quando a burguesia não pode conservar o controlo da cama, começa a adjectivá-la.
Manuel Vázquez Montalbán
Os Mares do Sul
(1979)
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