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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Branco - MLXIII


Devo estar a ficar velho. E no entanto, sem que me dê conta, ainda me acontece apalpar a algibeira à procura da fisga. Ainda gostava de ter um canivete de madrepérola com sete lâminas, saca-rolhas, tesoura, abre-latas e chave de parafusos. (...)

Pensando bem (e digo isto ao espelho), não sou um senhor de idade que conservou o coração menino. Sou um menino cujo envelope se gastou.


António Lobo Antunes
Público Magazine, 1/8/1993

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Vermelho - LXVI


Lembra-se dos pescadores de fim-de-semana da muralha da Marginal, a estenderem toda a noite para o rio o anzolzinho obstinado e feliz? Pois bem, se você pousasse devagar a cabeça no meu ombro, se a sua anca friccionasse a minha até saltar, do encontro de ambas, a chama de sílex de uma erecção contente, se as suas pestanas humedecessem de súbito, ao fitarem-me, de consentimento e abandono, poderíamos talvez achar em nós o mesmo subterrâneo júbilo que a pele contém a custo, o mesmo denso prazer de expectativa e esperança, a mesma alegria que se alimenta de si própria como a manhã devora, nas suas pregas claras, o cintilante coração do dia.


António Lobo Antunes
os Cus de Judas 
(1979) 
(D. Quixote, 28ª ed., 2009)