Vêm de longe, as cabras, dessa infância na Beira Baixa, e é sempre uma alegria voltar a encontrá-las. Ainda recentemente descobri uma, branca como alva de sacerdote, nos campos de Rio Tinto. De vez em quando vou vê-la, e embora não dê ainda pelo nome, chamo-lhe Maltesa, em homenagem a outra mais antiga e mais bárbara, que sustentou com as tetas macias os meus primeiros anos. Estas que vemos por aqui, nas dunas de Merzouga, em pleno Sahara, são negras. Negras e magras, as tetas pouco fartas, ou mesmo secas. Secas são também as carnes do pastor que, embora tivesse dado abrigo ao sol escaldante e às estrelas glaciais, nunca conseguiu para si o apaziguador olhar das cabras, que apascentava desde garoto. Em redor não se vê folha verde, contudo um oásis breve, um simples dedo de sombra, insinua-se no ar.
A cabra é um animal solar, e nem todas são negras, como sabeis.
Eugénio de Andrade
À Sombra da Memória, Quasi Edições, 2008
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