(...)
Ivan não conseguiu nada na vida, depois da
morte não deixará livros, pinturas, descobertas. Não criou escola nem partido,
não teve discípulos.
Por que razão a sua vida foi tão dura? Não
pregava, não ensinava ninguém, continuava a ser como foi de nascença – um homem.
Já se abria aos seus olhos o declive do
monte, as copas dos carvalhos começavam a avistar-se por trás da passagem
montanhosa. Na infância andou por ali, na penumbra florestal, olhava para os
vestígios da vida desaparecida dos circassianos – árvores de fruto tornadas
bravas, restos de cercas à volta das habitações.
Talvez a casa materna continuasse lá tão
imutável como as ruas e o riacho que acabava de ver: imutáveis.
Mais uma curva do caminho. Pareceu-lhe por
um instante que uma luz incrivelmente forte, nunca vista, inundava a terra. Mais
uns passos – e no meio daquela luz veria a casa, e a mãe sairia ao encontro do
seu filho pródigo, e ele cairia de joelhos em frente dela, e as suas belas e
jovens mãos pousariam na cabeça careca e encanecida dele.
Viu um matagal de espinheiros, de lúpulo. Não
havia casa nem poço, apenas algumas pedras brancas jaziam no meio das ervas
poeirentas, queimadas pelo sol.
Ficou parado ali – curvado, de cabelo
branco, mas o mesmo, imutável.
Vassili Grossman
Tudo Passa, trad. de Nina Guerra e Filipe Guerra, D. Quixote, 2013.
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