quarta-feira, 12 de março de 2014

Branco - MXXIX

(...) 
      Ivan não conseguiu nada na vida, depois da morte não deixará livros, pinturas, descobertas. Não criou escola nem partido, não teve discípulos.
   Por que razão a sua vida foi tão dura? Não pregava, não ensinava ninguém, continuava a ser como foi de nascença – um homem.
    Já se abria aos seus olhos o declive do monte, as copas dos carvalhos começavam a avistar-se por trás da passagem montanhosa. Na infância andou por ali, na penumbra florestal, olhava para os vestígios da vida desaparecida dos circassianos – árvores de fruto tornadas bravas, restos de cercas à volta das habitações.
    Talvez a casa materna continuasse lá tão imutável como as ruas e o riacho que acabava de ver: imutáveis.
      Mais uma curva do caminho. Pareceu-lhe por um instante que uma luz incrivelmente forte, nunca vista, inundava a terra. Mais uns passos – e no meio daquela luz veria a casa, e a mãe sairia ao encontro do seu filho pródigo, e ele cairia de joelhos em frente dela, e as suas belas e jovens mãos pousariam na cabeça careca e encanecida dele.
     Viu um matagal de espinheiros, de lúpulo. Não havia casa nem poço, apenas algumas pedras brancas jaziam no meio das ervas poeirentas, queimadas pelo sol.

     Ficou parado ali – curvado, de cabelo branco, mas o mesmo, imutável.


Vassili Grossman
Tudo Passa, trad. de Nina Guerra e Filipe Guerra, D. Quixote, 2013.

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