Ema passou a conhecer melhor o
pontão, a esquivar-se dos seus estalidos, a saber onde vergavam as madeiras;
eram só uns segundos de perigo, depois encontrava-se, como num ventre macio,
dentro do barco, cujas almofadas azuis a rodeavam. E Ema deixava-se levar no
fio da água, vendo a esteira de prata que a seguia fora do peso dos elementos;
como se voasse ao encontro dum sentido que fosse o sinal da incarnação
feminina. As altas falésias, de pedra granítica e tumular, levantavam-se nas
margens. Não se podia chamar margens àquilo. Eram detalhes dum vulcão; eram,
nas pedras, rasgões de garras que ali tivessem escorregado. Quem? O silêncio
impenetrável subia até aos sarçais onde restos de oliveiras, que não morriam
nunca, pareciam ossadas desenterradas.
Agustina Bessa-Luís
Vale Abraão, Guimarães
Editores, 1991
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