"Rio
Negro
(…)
Pelo
horizonte dissolvem-se planícies imensas pintadas de erva. Faltam
nomes para tantos tons de uma mesma cor e Jorge inventa-os: vesbelho,
letusto, zafaio, lusvigo. Depois esquece-se a que pertencem, mas não
tem importância.
As
sombras das nuvens correm pela erva e essa é outra cor ainda, uma
cor escura a correr. Que nome tem uma cor que foge? Jorge deita-se e
observa as nuvens. É um jogo antigo, pegar no branco e moldá-lo com
a imaginação até que ele seja um dragão, um monstro, uma sereia.
Imagem, imago, imitaginem.
Quem foi o primeiro a fazer ideias com nuvens?
Um tigre passa-lhe por cima e é dourado como poucos. Leva um brilho
novo e, ao desfazer-se, fica à vista uma bola amarela que não é
daquele céu. Jorge fita a bola de luz até os olhos começarem a
doer. É um sol de outros, pensa, uma luz que anda perdida. À
memória chegam-lhe as histórias fantásticas lidas muitas vezes,
mundos que acabam, viagens pelo espaço, seres longínquos capazes de
destruir ou de criar. Aquele amarelo é cheio de possibilidades e não
há nuvens que o possam voltar a esconder.
Nessa mesma noite, quando Jorge fecha os olhos para adormecer, a bola
amarela espera-o brilhante. Foi a primeira vez que dormiu com uma luz
acesa por dentro e passou a ser essa a cor da sua noite."
Nuno
Camarneiro
NO
MEU PEITO NÃO CABEM PÁSSAROS, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2011
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