"Cresce atrás das coisas como incêndio de verdade". (Rilke - trad. MariaT.Furtado)
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
Verde - LI
Novélia e eu nunca falámos. Para quê? Às cinco e um quarto da tarde em Portugal os nossos olhos encontram-se. Às vezes penso nisso. No rigor. Na matemática. Então descubro que as nossas caras são duas equações a uma incógnita com o mesmo resultado (os olhos) sempre. Mas as equações são sempre diferentes. Variam com o frio, com a humidade, com a menstruação. Novélia e eu nunca falámos. Nunca dissemos nada um ao outro. Apenas esperamos. Às vezes pergunto-me (pergunto-te): és casada? Virgem? Tens um filho loiro ou verde? Quantos homens passaram pelos teus lábios? Quantas esperanças nasceram a par dos teus seios? Quando me conheceste? Quando nos conhecemos?
Depressa Novélia: existes ou não? Diz. Diz.
Manuel da Silva Ramos
(1969)
os três seios de Novélia, Dom Quixote, Lisboa, 2008
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Carlos de Oliveira
INSTANTE
Esta coluna
de sílabas mais firmes,
esta chama
no vértice das dunas
fulgurando
apenas um momento,
este equilíbrio
tão perto da beleza,
este poema
anterior
ao vento.
Carlos de Oliveira
Sobre o Lado Esquerdo, P. Dom Quixote, Lisboa, 1968
domingo, 14 de janeiro de 2018
Amor - LXX
Comíamos. Como uma horda de seres vivos, cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como quem lavra a existência, e planta, e colhe, e mata, e vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de quem não engana o que come: comi aquela comida e não o seu nome. Nunca Deus foi tão tomado pelo que Ele é. A comida dizia rude, feliz, austera: come, come e reparte. Aquilo tudo me pertencia, aquela era a mesa de meu pai. Comi sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E sem me oferecer à esperança. Comi sem saudade nenhuma. E eu bem valia aquela comida. Porque nem sempre posso ser a guarda de meu irmão, e não posso mais ser a minha guarda, ah não me quero mais. E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos. Pão é amor entre estranhos.
Clarice Lispector
A Repartição dos Pães, in Contos de Clarice Lispector, Relógio d'Água Editores, Lisboa, 2006
sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
terça-feira, 9 de janeiro de 2018
domingo, 7 de janeiro de 2018
segunda-feira, 1 de janeiro de 2018
Branco - CII
Inteirou-se da cidade
e partiu.
De novo a estrada
(e o que não viu).
A.Oliveira
Lugares de rio
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