quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Azul - MXV

O despertar nesta cidade é diferente daquele a que estamos habituados. É que o dia nasce em silêncio, num silêncio apenas perturbado por alguma exclamação solta, uma gelosia metálica a ser corrida, o bater de asas dos pombos. Quantas vezes, pensei eu,  não estive assim deitado num  quarto de hotel, em Viena, Frankfurt ou Bruxelas, a escutar, de sentidos alerta, as mãos sob a cabeça, não o silêncio, como aqui, mas a irrupção do tráfego que antes já me tinha massacrado durante horas. Então é isto, penso eu nessas ocasiões, o novo oceano. Incessantemente, as grandes vagas que cobrem toda a amplitude das cidades, cada vez mais ruidosas, cada vez mais altas, quebram-se numa espécie de frenesim no auge do seu estrépito e correm pelo asfalto e pelas pedras enquanto novos vagalhões se preparam para desabar na barragem do sinal vermelho.


W.G. Sebald
(2001)
Vertigens. Impressões, Teorema, 2006

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