Lembra-se dos pescadores de fim-de-semana da muralha da Marginal, a estenderem toda a noite para o rio o anzolzinho obstinado e feliz? Pois bem, se você pousasse devagar a cabeça no meu ombro, se a sua anca friccionasse a minha até saltar, do encontro de ambas, a chama de sílex de uma erecção contente, se as suas pestanas humedecessem de súbito, ao fitarem-me, de consentimento e abandono, poderíamos talvez achar em nós o mesmo subterrâneo júbilo que a pele contém a custo, o mesmo denso prazer de expectativa e esperança, a mesma alegria que se alimenta de si própria como a manhã devora, nas suas pregas claras, o cintilante coração do dia.
António Lobo Antunes
os Cus de Judas
(1979)
(D. Quixote, 28ª ed., 2009)
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