quarta-feira, 4 de julho de 2012

Branco - LXXVI



Acordo, de manhãzinha, e é ainda cedo, demasiado cedo para gestos
 bruscos, urgentes, como levantar, tomar duche, comer o pão, beber o café. Nesses momentos, em que já não é o sono que se prolonga mas o prazer quase animal de poder ali estar, recordo as páginas lidas horas antes, noite dentro, e a certeza de que o livro continua à minha espera enche-me duma alegria a que não sei dar nome, porque vem da infância mas não é exactamente infantil, porque é uma alegria feita de emoções, de medos, de surpresas, de encantamento, de incredulidade, de todas as coisas que fazem com que um texto me dê prazer, isto é: me comova ou me magoe.

Ou então, acordo e penso que o livro acabou ontem, tendo eu prolongado as horas de leitura nocturna para o poder terminar, como se não soubesse já que os livros amados devem ler-se muito devagarinho, adiando o inadiável fim, distendendo o prazer de cada página, cada frase, cada palavra. Sei, no entanto, que a esse livro se seguirá imediatamente outro, um que me espera na pilha que fui fazendo, ao sabor de coisas tão diferentes como uma crítica lida, a paixão por aquele escritor, a vontade de descobrir um que ainda não conheço ou tão-só o desejo súbito, numa livraria, de levar para casa um livro novo.

Ou ainda, acordo e penso que me apetece comprar um livro, dois, três, muitos, e que esse é um dia bom, porque é então que o desejo se torna realidade, e que passearei pelos corredores das livrarias, abrindo uns, folheando outros, sabendo que, muitas vezes, não sou eu quem escolhe o livro mas sim o livro que me escolhe a mim.


Maria Manuel Viana

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