sexta-feira, 13 de julho de 2012

Preto e Branco - XXXIII

O mapa que representava o oceano oferecia, à luz de uma lanterna surda, uma superfície tão unida, tão lisa como a superfície luzidia do mar. Duas réguas paralelas e um par de compassos estavam pousados sobre a carta; a posição do navio, tomada ao meio-dia, era indicada por uma cruzinha negra, e a linha reta, traçada com um firme risco de lápis até Perim, marcava a rota do navio, o caminho das almas para o Santo Lugar, a promessa de salvação, a certeza de recompensas eternas. O lápis, com a sua ponta afilada contra a costa dos somalis, jazia imóvel como um destroço flutuando numa angra, ao abrigo de um cais. "Como marchamos bem!", pensava Jim espantado, com uma espécie de gratidão por aquela grande paz do mar e do céu. Naquele momento, ele não sonhava mais que ações valorosas; acariciava aqueles pensamentos, que formavam a melhor parte da sua vida, sua verdade secreta e sua realidade oculta. Dotados de uma virilidade suntuosa e do encanto da imprecisão, eles passavam diante de Jim num desfile heróico, levavam-lhe a alma, que embriagavam com o filtro divino de uma infinita confiança em si própria. Não havia obstáculo que ele não ousasse afrontar. Esta ideia lhe era tão cara, que ele sorria com os olhos maquinalmente fixos diante de si e, quando lançava um olhar para trás, via o rastro branco aberto sobre o mar pela quilha do barco, tão reto como a linha negra traçada sobre a carta pelo lápis.

Joseph Conrad
Lord Jim 
(1900)
(trad. Mário Quintana)
Victor Civita, São Paulo, 1980

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