O que me resta, portanto, para existir, é a pintura. Se deixasse de pintar seria o desespero total. As cores, as cores e nada mais, são a única linguagem que consigo falar, as cores dizem-me ainda alguma coisa. São vivas, ao passo que as palavras perderam para mim sentido, valor, toda e qualquer expressão. As cores, para mim, são ainda deste mundo; cantam, são deste mundo e parece-me que me põem em comunicação com o Outro Mundo. Nelas encontro o que a palavra perdeu. Elas são a palavra: é o desenho, também, mas é sobretudo a cor que é palavra, linguagem, comunicação, vida, tudo quanto pode pôr-me em comunicação com o resto, com o universo. É o que me prende a Ele, o que faz com que eu viva. Mas tenho ainda outro receio, receio que as vozes das cores se esgotem, se extingam. Medo de me repetir, portanto, medo de que elas não retornem depois de terem chocado com a parede fria da não expressão: porque a repetição é mortal, cliché mortal, não invenção, ou seja, não vida, esgotamento.
É esse receio, segundo F., que explica os meus desarranjos intestinais, a minha tristeza, o meu abatimento, a depressão. E isso pode impedir-me de pintar: tenho receio de nunca mais poder pintar. Sim, é este receio que pode vir a enterrar-me ainda vivo, por tão pouco tempo ainda vivo. A cor, ó vida minha, cores, palavras minhas derradeiras, cores, personagens deste mundo, cores minhas testemunhas, meus universos, cores, existências, cores vivas, acompanhai-me, ajudai-me, vivei para que eu exista, cores, vós figuras vivas, sinais da vida, enfeites.
Eugène Ionesco
a Busca Intermitente, Difel, Lisboa, 1990
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