"Cresce atrás das coisas como incêndio de verdade". (Rilke - trad. MariaT.Furtado)
quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
Cores
126
O vinho possui a cor das rosas.
O vinho não é, talvez, o sangue da vinha, mas, sim, o das rosas.
Esta taça não é, talvez, de cristal, mas de azul do céu coagulado.
A noite não é, talvez, senão a pálpebra do dia.
Omar Khayyam (c.1048-1123)
Rubaiyat, odes ao vinho, Ed. Estampa, 1999
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
Amor - LVIII
IV.
A graça feminina
Ainda mantém o mundo.
E secamente o digo, Poetas,
Se não cantais o amor.
Se não cantais em louvor
Da graça duma ternura,
Que é a vida? Ai, amor,
A vida é uma amargura.
Natal, 1956
Afonso Duarte
Lápides e outros poemas (1956-1957), Iniciativas Editoriais, 1960
A graça feminina
Ainda mantém o mundo.
E secamente o digo, Poetas,
Se não cantais o amor.
Se não cantais em louvor
Da graça duma ternura,
Que é a vida? Ai, amor,
A vida é uma amargura.
Natal, 1956
Afonso Duarte
Lápides e outros poemas (1956-1957), Iniciativas Editoriais, 1960
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terça-feira, 29 de dezembro de 2015
1955
Come Rain or Come Shine
Harold Arlen-Johnny Mercer
(1946)
Billie Holiday & Her Orchestra
(1955)
Branco - CLXXIII
É meia-noite, em fundo toca Bela Lugosi’s Dead, do grupo Nouvelle Vague, e nem sequer a música me impede de pensar nessa realidade «bárbara, brutal, muda, sem significado, das coisas» de que falava Ortega. Olho pela janela e vejo a vida inerte, e parece-me que esse tipo de realidade bárbara e muda é especialmente percebida hoje por quem - como já Musil pensava - acha que no mundo não existe já a simplicidade inerente à ordem narrativa, essa ordem simples que consiste em poder dizer às vezes: «Depois de aquilo ter acontecido aconteceu isto, e depois aconteceu outra coisa, etecetera». Tranquiliza-nos a simples sequência, a ilusória sucessão de factos. No entanto, há uma grande divergência entre uma confortável narração e a realidade brutal do mundo. (...)
Enrique Vila-Matas
Chet Baker pensa na sua arte, Teodolito, 2013
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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
Preto e Branco - XLIII
Carlos Calvet
http://venerandomatos.blogspot.pt/2014/04/carlos-calvet-pintor-arquitecto.html
Carlos Calvet
A Mulher de Branco
http://www.museuartecontemporanea.pt/pt/artistas/ver/34/artists
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segunda-feira, 23 de novembro de 2015
Verde - XLVII
Caribaci
Na certeza da manhã
procura as aves.
Os campos de arroz
verdejantes
retintam
de novo
o olhar.
A.Oliveira
Lugares de Rio
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quarta-feira, 4 de novembro de 2015
Azul - CLXXVI
- Title Azore islands
- Released 09/10/2015 10:00 am
- Copyright Copernicus Sentinel data (2015)/ESA
- DescriptionThis Sentinel-1A radar image was processed to depict water in blue and land in earthen colours. It features some of the Azore islands about 1600 km west of Lisbon, including the turtle-shaped Faial, the dagger-like Sao Jorge and Pico Island, with Mount Pico reaching over 2351 m in height.The image highlights the differences in the relief of the islands, with volcanoes and mountains clearly standing out.
- (...)
Sentinel-1A has been in orbit since April 2014, monitoring the marine environment and mapping water and soil surfaces, among other major applications.
http://www.esa.int/spaceinvideos/Videos/2015/10/Earth_from_Space_Portuguese_wonders
domingo, 1 de novembro de 2015
Azul - CLXXV
Ema passou a conhecer melhor o
pontão, a esquivar-se dos seus estalidos, a saber onde vergavam as madeiras;
eram só uns segundos de perigo, depois encontrava-se, como num ventre macio,
dentro do barco, cujas almofadas azuis a rodeavam. E Ema deixava-se levar no
fio da água, vendo a esteira de prata que a seguia fora do peso dos elementos;
como se voasse ao encontro dum sentido que fosse o sinal da incarnação
feminina. As altas falésias, de pedra granítica e tumular, levantavam-se nas
margens. Não se podia chamar margens àquilo. Eram detalhes dum vulcão; eram,
nas pedras, rasgões de garras que ali tivessem escorregado. Quem? O silêncio
impenetrável subia até aos sarçais onde restos de oliveiras, que não morriam
nunca, pareciam ossadas desenterradas.
Agustina Bessa-Luís
Vale Abraão, Guimarães
Editores, 1991
Branco - CLXXII
Pega Monstro
Branca
Júlia Reis e Maria Reis
Alfarroba
(2015)
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quinta-feira, 29 de outubro de 2015
Vermelho - LXXXIV
Luis Pastor e Lourdes Guerra
Aproximação
(Luis Pastor-música)
(2006)
Aproximação
Vem mansamente, aérea como asa
Ou aroma entornado de luar,
Na quentura vermelha duma brasa,
Entre a cinza macia do olhar.
Vem num bailado alado e serpentino,
Salpicado de estrelas e miragens,
Na força preguiçosa do felino,
No sussurro do vento nas folhagens.
Vem, secreto bruxedo doutro mundo,
Donde trouxeste o espelho em que me vejo,
Mergulhemos os dois até ao fundo,
Estilhaçado o silêncio pelo desejo
José Saramago
Poemas Possíveis, Portugália Ed., Lisboa
(1966)
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quarta-feira, 21 de outubro de 2015
Amor - LV
Brigada Victor Jara
Chamarrita (trad. Madeira)
(1984)
Chamarrita, chama, chama
Já dormi na tua cama
Já tua boca beijei
Já gozei dos teus carinhos
E outras coisas que eu cá sei
Volta minha chamarrita
A cavalo no meu peito
Não cabe um amor tão grande
Num palácio tão estreito
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sábado, 10 de outubro de 2015
Branco - MLXXI
(…) Mas é também agora que se
propõe como tema destes Jardins de 2015 a Luz da Cidade. (…)
Sempre a cidade…
Nunca esquecendo que, simbólica e
cientificamente, a clara cor da luz – o branco – é resultado luminoso da junção
de todas as outras cores: diversas, diferentes, mestiças, plurais.
É habitual terminarem estes
editoriais com uma citação poética a propósito.
Mas isso não se fará este ano.
Desta vez, propomos encontrar a poesia na própria luz da cidade, na
transparência do seu quotidiano. Sempre a jardinar o prazer dos encontros, o
gozo das práticas artísticas, o livre debate das ideias.
Afinal… o exercício da cidadania.
João Luís Oliva
Catálogo, Jardins Efémeros
Viseu, 2015
Cinzento - XI
(…) Chamam à coisa, de forma
endeusada a Internet das Coisas ou, de forma ainda mais eufórica, a Internet de
Todas as Coisas. (…)
Cada um de nós terá uma “caixa
negra” como os aviões. Com os nossos dados pessoais mais detalhados. A questão
que se levanta é se as autoridades poderão ter acesso a esses dados. Nessa
caixa negra (que não tem existência fixa) poderão saber a localização em
determinado dia e hora, analisando os registos telefónicos, conjugando as
batidas cardíacas e respiração, níveis de ansiedade e por vezes os ácidos no
estômago ou se a pressão arterial se manteve estável. E conjugar esses dados
com o padrão de sono, ou se alterou a dieta e se manteve a rotina, se zapou
mais a TV, se caminhou mais ou menos, se ficou em casa ou saiu. Estou a especular
com os sensores que temos hoje e não com os que nos poderão espiolhar dentro de
5 ou 10 anos. Já houve um incidente este ano, que foi noticiado pela imprensa
especializada: a smart TV da Samsung tinha um dispositivo para escutar a casa
das pessoas. (...)
Luís Pedro Nunes
Vícios, Jornal Expresso, 2/10/2015
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segunda-feira, 5 de outubro de 2015
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
Vermeer
Vermeer de Delft
É a manhã no copo:
Tempo de decifrar o mapa
Com seus amarelos e azuis,
De abrir as cortinas - o sol frio nasce
Nos ladrilhos silenciosos -,
De ler uma carta perturbadora
Que veio pela galera da China:
Até que a lição do cravo
Através dos seus cristais
Restitui a inocência.
Murilo Mendes
Poesia Liberdade
(1947)
Jan Vermeer
A Lição de Música
(1664)
https://en.wikipedia.org/wiki/File:Jan_Vermeer_van_Delft_014.jpg
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Preto e Branco - XLII
O POEMA
Um poema como um gole d'água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na
floresta nocturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição
de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na
floresta nocturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição
de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.
Mario Quintana
O Aprendiz de Feiticeiro
(1950)
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sexta-feira, 25 de setembro de 2015
Azul - MLXXIV
(...)
Wilder: Ao longo do percurso como anilhador, qual é a captura que mais gosta de lembrar?
Paulo Tenreiro: Gosto de lembrar a única vez que anilhei umMonticola solitarius [Melro-azul]. Em 2000, estava na zona da barragem de Santa Luzia – Pampilhosa da Serra, juntamente com o Carlos Carvalho, a fazer trabalho de campo para o Segundo Atlas das Aves Nidificantes em Portugal. Como era habitual, a viatura estava cheia de caixotes com material, além de um fogão e de uma mala térmica com comida. Estacionámos na beira da estrada e começámos a preparar o almoço. “Pelo sim pelo não, ó Carlos, enquanto descascas a cebola, eu monto aqui duas redes nestes matos”, disse eu.
Nada foi capturado até ao final do almoço, até que observei no topo da encosta uma ave, que devido à distância não consegui identificar. Levantou voo e foi deslizando ao longo da encosta, até conseguir perceber a espécie e ver que tinha acabado de cair na rede. Nunca tinha corrido tanto por cima de silvas e tojo, mas também nunca tinha rido tanto a anilhar uma ave até essa data.
http://www.wilder.pt/historias/paulo-tenreiro-anilhou-mais-de-7000-aves-selvagens-num-so-ano/
Melro Azul
http://www.birdsineurope.com/web/taxonomy/term/242
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quinta-feira, 24 de setembro de 2015
terça-feira, 22 de setembro de 2015
Branco - MLXX
POÉTICA
1
Que é a Poesia?
uma ilha
cercada
de palavras
por todos
os lados.
2
Que é o Poeta?
um homem
que trabalha o poema
com o suor do seu rosto.
Um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.
Cassiano Ricardo
(1964)
Antologia da Poesia Brasileira, José Valle de Figueiredo, Ed. Verbo, s/d.
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quarta-feira, 16 de setembro de 2015
sábado, 12 de setembro de 2015
António Charrua
António Charrua
Sem Título
(1972)
(...) O "Grande X" nasce das "Ameaças", do avanço das formas oblíquas a trilhar a tela. Para lá desta forma, surge por diversas vezes a cruz de recorte tradicional ou a cruz grega. Não tem, nas palavras de Charrua, um sentido cristológico, mas um carácter abrangente de falência da humanidade, decesso, dor. E nela a morte e o questionar último do sentido da vida. Nos anos seguintes, a cruz será T, será escada ascensional. (...)
Ana Ruivo
X de Charrua-Antológica
CAM-Centro de Arte Moderna Gulbenkian
2015
http://cam.gulbenkian.pt/CAM
https://pt.wikipedia.org
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sexta-feira, 11 de setembro de 2015
Cores
Palácio Nacional de Queluz
(2015)
(...) O que está a ser aplicado nas paredes de Queluz obrigou a muita investigação para lá da descoberta da cor. Encontrar o tom certo, a técnica certa. A caiação que está a ser usada pode induzir em erro. O azul parece muito escuro, mas, depois de seco, clareia, explica a conservadora. Aponta para uma das empenas. Aquelas onde foram testadas várias cores. (...)
http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=4682708
Cores
POEMA PARA LAURENCE CALEGHARI
Com extrema aplicação,
como quem escreve um poema,
compõe o pintor a sua paleta.
Primeiro os brancos, com que inventa os navios. Logo
os amarelos, imenso campo de trigo.
Com os vermelhos,
hasteia uma bandeira. Enquanto
os azuis cumprem o destino do vento.
Com o verde
preenche a alegria das folhas.
E os castanhos são
a pele húmida dos montes.
Finalmente o preto.
Com ele escreverá
apenas a palavra liberdade.
Paris, 1979
Emanuel Félix
A Viagem Possível-Poesia (1965/1992), Vega, s/d
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quinta-feira, 10 de setembro de 2015
Azul - CLXXIII
Manuel Ventura
Regata do Atlântico Azul
Lisboa
(2015)
http://biclaranja.blogs.sapo.pt/2015/08/?page=2
https://marinhadotejo.wordpress.com/
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terça-feira, 8 de setembro de 2015
Cores
Poema a uma folha caída
António Eustáquio
(2012)
António Eustáquio (Guitolão)
Carlos Barreto (Contrabaixo)
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sexta-feira, 4 de setembro de 2015
Cores
"Há-de Haver..."
Espectáculo "A Viagem do Elefante"
Luís Pastor (música e voz)
(2014)
"Há-de haver..."
Há-de haver uma cor por descobrir,
Um juntar de palavras escondido,
Há de haver uma chave para abrir
A porta deste muro desmedido.
Um juntar de palavras escondido,
Há de haver uma chave para abrir
A porta deste muro desmedido.
Há-de haver uma ilha mais ao sul,
Uma corda mais tensa e ressoante,
Outro mar que nade noutro azul,
Outra altura de voz que melhor cante.
Uma corda mais tensa e ressoante,
Outro mar que nade noutro azul,
Outra altura de voz que melhor cante.
Poesia tardia que não chegas
A dizer nem metade do que saber:
Não calas, quando podes, nem renegas
Este corpo de acaso em que não cabes.
A dizer nem metade do que saber:
Não calas, quando podes, nem renegas
Este corpo de acaso em que não cabes.
José Saramago
Os Poemas Possíveis, Portugália Editora, 1966
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Teatro ACERT
Cores
(...) vi a engrenagem do amor e a modificação da morte, vi o Aleph, de todos os pontos, vi no Aleph a terra, vi o meu rosto e as minhas vísceras, vi o teu rosto e senti vertigem e chorei, porque os meus olhos tinham visto esse objecto secreto e conjectural cujo nome os homens usurparam, mas que nenhum homem olhou: o inconcebível universo.
Senti infinita veneração, infinita lástima.
- Ficarás tonto por bisbilhotar assim onde não és chamado - disse uma voz enfadonha e alegre. - Mesmo que queimes o juízo, não me pagarás num século esta revelação. Que observatório formidável, hein, Borges!
Os pés de Carlos Argentino ocupavam o degrau mais alto. Na brusca penumbra, consegui levantar-me e balbuciar:
- Formidável. Sim, formidável!
A indiferença da minha voz causou-me estranheza. Ansioso, Carlos Argentino insistia:
- Viste tudo bem, a cores?
Jorge Luis Borges
(1957)
O Aleph, Editorial Estampa, 4ª ed., 1993
domingo, 30 de agosto de 2015
Vermelho - LXXXIII
12.
Sorrir às romãs crepusculares, pequenas luzes eternas,
iluminação das águas breves,
memória e transportá-la à boca de uma outra frescura,
- estrelas súbitas,
vermelho, antiga
longa madrugada anoitecida
António Pedro Pita
Melancolia Dupla, Pé de Página Editores, 2007
sábado, 29 de agosto de 2015
Amarelo - LXI
Nina Simone
Everyone's Gone To The Moon (Jonathan King-1965)
(1969)
Streets full of people, all alone
Roads full of houses never home
Church full of singing out of tune
Everyone's gone to the moon
Eyes full of sorrow, never wet
Hands full of money, all in debt
Sun coming out in the middle of June
Everyone's gone to the moon
Long time ago
Life had begun
Everyone went to the sun
Hearts full of motors painted green
Mouths full of chocolate-covered cream
Arms that can only lift a spoon
Everyone's gone to the moon
Everyone's gone to the moon
Everyone's gone to the moon
https://www.youtube.com/watch?v=73ks2TPPyho
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domingo, 23 de agosto de 2015
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
Azul - MLXXI
"Vou casar-me... É um disparate, nem sequer gosto dele..." - pensou. Mas Marina distraiu-a com as perguntas que lhe fazia, e depois Branca veio ajudá-la a vestir-se, trazendo a costureira Judite como se fosse uma portadora de oferendas. Era o vestido. Parecia enorme, com folhos e saias de baixo, e uma laçada azul na cinta.
- Uma coisa azul, para dar sorte...
De facto, era uma extravagância de Ema. Quis sapatos azuis para acompanhar. De qualquer forma, ficou esplêndida, tendo frisado os cabelos e posto neles cachos de muguet. No peito brilhava o medalhão com turquesas, não quis privar-se de o levar.
- Outra coisa azul, para dar sorte; nunca é demais...
Agustina Bessa-Luís
Vale Abraão, Guimarães Ed., 1991
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segunda-feira, 17 de agosto de 2015
domingo, 9 de agosto de 2015
Branco - MLXIX
Estava uma manhã maravilhosa, de céu azul e limpo, ainda sem nuvens. Nick sentia-se feliz com a irmã e pensou que, fosse qual fosse o desfecho daquela situação, podiam passar os dois um bom bocado. Já aprendera que só se vivia um dia de cada vez, e que esse dia era sempre aquele em que se estava. Seria hoje até à noite e amanhã seria outra vez hoje. Essa fora a coisa principal que aprendera, por enquanto.
Ernest Hemingway
Contos de Nick Adams - A Última Região Boa, Livros do Brasil, s/d
sexta-feira, 7 de agosto de 2015
Preto e Branco - XL
(...)
É nessa forja, onde a forma surge a partir do traço da mão, que a sua obra poética e pictórica se situa. Uma e outra parecem nunca abandonar o momento inicial da criação em que o branco e o negro se constituem mutuamente. Ao inscrever-se gestual e gestalticamente na superfície do papel, a mão interroga o enigma da escrita. Da escrita que, escrevendo-se, me escreve. A inteligência autocaligráfica da mão dá-nos testemunho da transição entre legível e ilegível, entre visível e invisível. Vemos a palavra tomar forma. Ouvimo-la. Vemo-nos a ler. “O que é a escrita?”, “O que é a palavra?”, “O que é a leitura?”, perguntam as inscrições iterativamente. A mão sabe sempre mais do que eu. E no excesso significante e silencioso do traço, emerge também o sujeito escondido na escrita. Escondido na pura potencialidade do traço como desejo de ser e de inventar ser.
É nessa forja, onde a forma surge a partir do traço da mão, que a sua obra poética e pictórica se situa. Uma e outra parecem nunca abandonar o momento inicial da criação em que o branco e o negro se constituem mutuamente. Ao inscrever-se gestual e gestalticamente na superfície do papel, a mão interroga o enigma da escrita. Da escrita que, escrevendo-se, me escreve. A inteligência autocaligráfica da mão dá-nos testemunho da transição entre legível e ilegível, entre visível e invisível. Vemos a palavra tomar forma. Ouvimo-la. Vemo-nos a ler. “O que é a escrita?”, “O que é a palavra?”, “O que é a leitura?”, perguntam as inscrições iterativamente. A mão sabe sempre mais do que eu. E no excesso significante e silencioso do traço, emerge também o sujeito escondido na escrita. Escondido na pura potencialidade do traço como desejo de ser e de inventar ser.
Ana. Nome. No corpo de papel. Ana. Vir a ser Ana. Ser Ana. Ter sido Ana. Ser Ana depois de ser Ana. Ser Ana depois de ter sido Ana. Ana depois de Ana. Voltar a ser Ana. Ana outra vez. Ana ser. Ana só. Ser Ana. Ser só Ana. Ser Ana Ana. Querer ser Ana. Ana serena. Ana só Ana. Querer ter sido Ana. Não chegar a ser Ana. Não ser Ana. Ser quase Ana. Quase segura. Quase descalça. Ser sombra de Ana. Reflexo de Ana. Anagrama de Ana. Eco de Ana. Ser o ser Anagramático de Ana. Ser Ana na gramática de Ana. Na tisana de Ana. Na fonte de Ana. Ana fonte. Ana grama. Ana pó. Ana.
"Todas as palavras/ quando escritas/ são palavras de papel" (Ana Hatherly,Pavão Negro, 2003)
Manuel Portela
http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/a-mao-inteligente-1704206
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