sábado, 15 de dezembro de 2012

Branco - XLVII





"César Deve Morrer" é um filme que parece seguir o processo de encenação de uma peça teatral no ambiente especial de uma cadeia. Nunca o espectador se esquece disso, não há processo de sublimação pela arte ou de redenção naquelas imagens, simplesmente o desfibrar de sentimentos, a modulação humana de uma tragédia literária muito conhecida com as histórias de vida de quem a está a encarnar. Todavia, nada é improvisado, todos os diálogos foram escritos e reproduzidos.
"Mas são todos verdadeiros, este é um filme em que tudo é verdade e tudo é falso. Todas as histórias e as situações que os reclusos contam no filme foram-nos contadas por eles antes, aconteceram", precisa Paolo Taviani. Depois de uma escolha, colocadas na boca deste ou daquele no momento que pareceu dramaticamente justo, deram a "César Deve Morrer" a peculiar sensação de que há uma possante realidade por baixo da ficção — como se existissem várias camadas, vários estratos na sedimentação da nossa aproximação ao filme. Quando Brutus grita que matou César, sentimos nos olhos do intérprete que ele sabe o que isso é, que viveu o que viveu o gesto do assassínio. Esse facto dá a este filme uma enorme capacidade de perturbação, porque se trata de algo na confluência entre o que procura um documentarista — a verdade do real — e o que busca o ficcionista— a credibilização do fingimento. E nós sabemos. E isso é intensíssimo.

Jorge Leitão Ramos
Actual-Expresso, 3/11/12

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