"César Deve Morrer" é
um filme que parece seguir o processo de encenação de uma peça teatral no
ambiente especial de uma cadeia. Nunca o espectador se esquece disso, não há
processo de sublimação pela arte ou de redenção naquelas imagens, simplesmente
o desfibrar de sentimentos, a modulação humana de uma tragédia literária muito
conhecida com as histórias de vida de quem a está a encarnar. Todavia, nada é
improvisado, todos os diálogos foram escritos
e reproduzidos.
"Mas são todos verdadeiros,
este é um filme em que tudo é verdade e tudo é falso. Todas as histórias e as
situações que os reclusos contam no filme foram-nos contadas por eles antes,
aconteceram", precisa Paolo Taviani. Depois de uma escolha, colocadas na
boca deste ou daquele no momento que pareceu dramaticamente justo, deram a
"César Deve Morrer" a peculiar sensação de que há uma possante
realidade por baixo da ficção — como se existissem várias camadas, vários
estratos na sedimentação da nossa aproximação ao filme. Quando Brutus grita que
matou César, sentimos nos olhos do intérprete que ele sabe o que isso é, que
viveu o que viveu o gesto do assassínio. Esse facto dá a este filme uma enorme
capacidade de perturbação, porque se trata de
algo na confluência entre o que procura um documentarista — a verdade do real —
e o que busca o ficcionista— a credibilização do fingimento. E nós sabemos. E isso
é intensíssimo.
Jorge Leitão Ramos
Actual-Expresso, 3/11/12
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