Os livros são um amor pesado.
Arrastam-se atrás de nós como fantasmas, mesmo antes de arrastarmos fisicamente
com eles, de lugar para lugar. Os livros tornam-nos conservadores: naqueles
momentos em que nos apetece mudar de casa, de país, de mundo, eles perfilam-se
diante dos nossos olhos, solenes, um exército de capas rijas desafiando o nosso
desejo de mobilidade.
(…)
Decidimos então escolher – mas os
livros ensinaram-nos também a precariedade das escolhas e das decisões. Há uma
época da vida em que descobrimos que aquilo a que chamámos escolhas
fundamentais resultou de um conjunto de factores e circunstâncias que, afinal,
não dominámos. Fomos arrastados na enxurrada, sobrevivendo a temporais diversos
– e agora, no promontório a que damos o nome de maturidade (porque ganhámos nos
livros o vício de dar nome a tudo, classificar, organizar, compreender,
explicar) olhamos para as escolhas que esboçámos e abandonámos, e esforçamo-nos
por recomeçar o desenho da nossa vida, numa página em branco. Mas aprendemos que
o branco puro não existe – nem o negro, nem o amarelo, nem o azul ou o
vermelho. Nenhuma cor é afinal absoluta como nós pensávamos, nesse tempo em que
chamávamos razão ao instinto, paixão ao desejo, amor ao medo, originalidade à
arrogância e ousadia à provocação. Ou vice-versa – tínhamos um feixe de
certezas absolutas, e uma incapacidade atávica de escutar as várias versões de
uma mesma história. Talvez fosse apenas impaciência – mas nós chamavamos-lhe
idealismo. Gostávamos tanto de livros que nos tornámos caçadores de palavras –
e deixávamo-nos balear por elas, como se fossem canções. Agora olhamos para os
livros como sinfonias, feitas de deambulações em torno de um tema recorrente,
que se vai revelando em diferentes tons – à semelhança das nossas vidas.
(…)
Inês Pedrosa
Jornal Expresso, 9/2/2008
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